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“Uma cidade sem passado” mostra como prêmios podem ser armadilhas

Uma Cidade Sem Passado:  entre prêmios e interesses

Chama a minha atenção a enorme quantidade de prêmios jornalísticos concedidos por empresas, associações, sindicatos, federações, ONGs e, principalmente, governos e instituições públicas no Brasil. O desafio, quase sempre, é fazer matérias que elogiem a área ou a atuação de quem premia. Os prêmios são geralmente modestos, mas figuram no currículo dos premiados.

As ocasiões festivas dessas solenidades quase sempre me remetem ao filme Uma cidade sem passado (Alemanha, 1990), dirigido por Michael Verhoven, que conta a história — baseada em fatos reais, mas com personagens fictícios — da jovem estudante Sonia Rosenberg (na foto). Convidada a participar de um concurso de redações, ela escolhe o tema “Minha cidade natal durante o III Reich”. O objetivo dos organizadores era enaltecer a cidade de Pfilzing, na Bavária, tido como lugar quase imune ao desvario nazista.

Entusiasmada, Sonia procura fontes para iniciar a pesquisa. Nas entrevistas com os antigos moradores da cidadezinha — e na busca por material de leitura como jornais e documentos oficiais do período — ela se depara com resistências estranhas, com evasivas e desculpas que poderiam desestimular um maior aprofundamento da investigação. Porém essas dificuldades operam-lhe o efeito contrário: Sonia fica mais e mais curiosa. Como insiste em buscas os fatos, a estudante é duramente criticada, sofre pressões e até ameaças por causa dos segredos muito bem guardados e das verdades convenientemente esquecidas que ela remexe.

No desenrolar da trama, Sonia descobre que importantes membros da sua comunidade foram ardorosos nazistas, que um campo de concentração havia sido instalado nas redondezas da cidade e que integrantes da paróquia delataram judeus.

O trabalho de Sonia, desprezado por seus conterrâneos, acaba reconhecido em outras regiões e até fora do país. Nesse momento, eis o ponto onde quero chegar, as autoridades locais reconhecem finalmente a importância daquela pesquisa e resolvem homenagear a autora com um busto. Na cerimônia de entrega, a jovem surpreende ao dizer que o prêmio não passaria de mais um ardil para tentar silenciá-la, já que muitos outros episódios do passado recente da cidade ainda estavam escondidos, e que o prêmio uma forma de seduzi-la pela vaidade. Aí a solenidade vira uma confusão, com todos reclamando de tamanha ingratidão.

Pois é. Nada contra prêmios, existem as exceções. Mas tudo contra o poder público bajulando a imprensa. Geralmente é mesmo um ardil para direcionar as coberturas.

 

Texto publicado originalmente no medium.com/@wanfil.